Review: Michael Haneke incomoda, choca e triunfa com seu "Amor"
por Amanda Prates
(Twitter - Filmow)
Mais do que
qualquer outro admirável aspecto, Haneke é conhecido pela crueza em seus
filmes, mas não só pela maneira como trata de temas neles, como também pelo
incômodo que causa no espectador. Em Amor
ele vai pelo sentido contrário de filmes do gênero ou que costumam abordar tal questão e trabalha de forma a atacar quem assiste, mas deixando, principalmente,
mares de dúvidas que perseguem para além das telas. O grande triunfo deste
filme é nos fazer mergulhar por horas, quiçá dias, em milhares de perguntas, ou
refletindo sobre coisas aparentemente tão pequenas da vida, ou mesmo tentando
entender a intenção do diretor ao transpor para as telas do cinema esses pequenos
detalhes que nos passariam despercebidos. Haneke dá ao espectador tempo suficiente (ou todo ele) para apreciar o fim e Emmanuelle
se encarrega de dar representação a todos os sentimentos humanos inimagináveis.
Ela se despe de todo tipo de vaidade e cria um personagem inteligente e
amoroso, e vai definhando até perder todo o brilho e beleza de um ser humano –
o que só fez aumentar suas possibilidades de levar o prêmio de Melhor Atriz
pela Academia. Trintignant exerce um papel tão ilustre quanto o de Riva, uma
vez que a motivação do diretor alemão em escrever o roteiro foi exclusiva da vontade de
trabalhar com o ator até então aposentado. Sua primeira reação diante da
proposta foi de negação, porém convencido da importância de se tratar de um
tema como este e já bem perto da infeliz possibilidade do fim, o ator foi
primordial para que o sentimento proposto pelo filme fosse tão bem explorado.
Amor é sobre a enternecedora, dura e emotiva contemplação do fim. Georges apenas vê desaparecendo a identidade, a dignidade e o bom-gosto, mas só o amor era capaz de mantê-lo ao lado da esposa que definha. O tratamento de cenas cotidianas e ou de absurda tensão, como as discussões com a filha e o confronto com a enfermeira, são de proporções épicas. É aí que se vê a naturalidade como tudo é tratado, desde os focos longos das câmeras até os diálogos dos personagens. Michael Haneke obteve com Amor o prêmio máximo de Cannes e algumas indicações ao Oscar, que incluem Melhor Filme e Melhor Filme Estrangeiro, com favoritismo nesta última. O maior êxito dele aqui foi saber como chegar ao nosso âmago e por em cheque, tão perturbadoramente, a máxima “até que a morte nos separe”.
São poucos os
diretores que obtêm sucesso na transmissão de uma mensagem com tão pouco a
oferecer em um filme como Michael Haneke. Um diretor que, em toda sua
filmografia, deixa, propositalmente, exalar debates sociológicos, apontamentos
de nossos medos, anseios, fraquezas e o resultado de nossas ações e omissões.
Houve estudo da violência em Violência
Gratuita, e análise das concepções da Alemanha nazista em A Fita Branca. Todas as críticas com um
nível de importância e capaz de despertar no seu espectador a necessidade em criar suas próprias
analogias apreciativas. Em Amor, ele surpreende
e deixa de lado essa característica sociológica (e/ou histórica) e aponta para
o sentimento, conexão e, principalmente, a dor tão verdadeiramente intensa que
fica difícil se desvencilhar dos vestígios de reflexão que se une ao filme. A produção
mais recente de Haneke apenas reforça o poder do cinema francês em contar
histórias simples, mas suficientemente carregadas de sinceridade e naturalidade.
O diretor não dá
chance ao espectador em achar que pode haver um final feliz. Ele já inicia
impactando e nos apresenta o fim de tudo, afirmando que os acontecimentos
seguintes se desenrolarão numa trajetória de vida e morte. A partir daí, somos
agraciados com a exposição de dois personagens tão incríveis e com olhares,
gestos e expressões carregadíssimos de verdade. Georges (Jean-Louis Trintignant) e Anne (Emmanuelle Riva) estão na
faixa dos oitenta anos de idade e são professores de música aposentados. Ambos
vivem num requintado e espaçoso apartamento e seguem a vida apreciando a arte e
a cultura erudita e se mostram verdadeiramente apaixonados, até Anne sofrer um
derrame e colocar a prova o vínculo amoroso de ambos. As duas horas de filme se
passam de forma angustiante e acompanhamos, lenta e gradualmente, a degeneração
do corpo e da mente da esposa que, em certo momento, já não vê mais sentido na
vida que lhe escorre pelos dedos tão rapidamente. A filha do casal, Eva (Isabelle Huppert), é independente
e os visita em raras vezes, mas que parece manter uma aura doentia e um mínimo
de compaixão.
Amor é sobre a enternecedora, dura e emotiva contemplação do fim. Georges apenas vê desaparecendo a identidade, a dignidade e o bom-gosto, mas só o amor era capaz de mantê-lo ao lado da esposa que definha. O tratamento de cenas cotidianas e ou de absurda tensão, como as discussões com a filha e o confronto com a enfermeira, são de proporções épicas. É aí que se vê a naturalidade como tudo é tratado, desde os focos longos das câmeras até os diálogos dos personagens. Michael Haneke obteve com Amor o prêmio máximo de Cannes e algumas indicações ao Oscar, que incluem Melhor Filme e Melhor Filme Estrangeiro, com favoritismo nesta última. O maior êxito dele aqui foi saber como chegar ao nosso âmago e por em cheque, tão perturbadoramente, a máxima “até que a morte nos separe”.
***** (5/5)
Amour/Love/Liebe, França/Áustria/Alemanha, 2012
Direção: Michael Haneke
Elenco: Jean-Louis Trintignant, Emmanuelle
Riva, Isabelle
Huppert
Duração: 2h 6min