Review: Tarantino faz de seu “Django Livre” um poço de exageros, mas passa longe de errar a mão
por Amanda Prates
(Twitter / Filmow)
Quentin Tarantino
quer vingança novamente, e ele o faz (!), mas desta vez, ambientada no Velho
Oeste. E quando se trata de Tarantino, é claro que não estamos falando de um
filme de faroeste convencional. Django
Livre é uma denúncia à situação dos Estados Unidos dois anos antes à Guerra
Civil – precedida pela abolição da escravatura – com tantos exageros (não nos
fatos históricos, necessariamente) que chega a ser um deleite ficar numa sala
de cinema por quase três horas para assisti-lo. Há sarcasmo, tiroteios, ~muito~
sangue, humor negro e palavrões, tudo misturado deliciosa e exageradamente em
um faroeste ora cômico, ora muito sério,
e onde Tarantino passa bem longe de errar a mão.
É nesse clima de
demasia que somos apresentados a Django (Jamie Foxx), um escravo liberto que segue
o caçador recompensas alemão, Dr. Shultz (Christoph Waltz), pelo Texas e
Mississipi atrás de sua esposa Broomhilda (Kerry Washington), escrava do
fazendeiro Calvin Candie (Leonardo DiCaprio). O filme prende a atenção de seu telespectador
já no primeiro momento, quando Django é negociado inusitadamente pelo alemão
meio-dentista para ajudá-lo a reconhecer dois irmãos que estão com as cabeças à
venda. A partir daí, o ex escravo assume uma posição que, naquela época, era
considerada exclusivamente para brancos e sai causando espanto pelos quatro
cantos do sul ianque, um dos pontos mais denunciantes da trama.
Como é de
conhecimento de todo bom admirador do cineasta, Tarantino costuma fazer de seus
filmes pontos para referências a outras grandes produções, e em Django Livre a situação não poderia ser
outra. Nele, o diretor “toma emprestado” elementos vindos do Western Spaghetti – termo usado aos westerns italianos – de Três Homens em Conflito e do original Django, ambos de 1966, e ainda do Blaxploitation, já usados por ele em Jackie Brown (1997) e Pulp Fiction (1994). Mais do que essas “homenagens”,
o longa ainda é carregado, como é de praxe, de todos os componentes que
consagraram a carreira do diretor, como os diálogos bem estruturados e longos, o
humor negro, a violência estilizada que, de tão absurdas que são, chegam a ser
burlescas e, é claro, toda a originalidade do roteiro.
A escalação do
ótimo elenco foi mais um dos triunfos da produção. Mesmo com aquele possível
burburinho de que atores como Sacha Baron Cohen, Kurt Russell, Kevin Costner e
Joseph Gordon-Levitt teriam saído do cast
(e de que o Will Smith havia recusado papel principal!), o filme não perde em
nada, muito pelo contrário, Jamie Foxx, Christoph Waltz, Leonardo DiCaprio,
Samuel L. Jackson e... até o real Django Franco Nero (com a sua pontinha
de participação) roubam a cena, tentando encontrar sem medo, ao lado do
diretor, uma linguagem verbal e visual que possam transmitir ou recriar toda a
complexidade de um mundo por trás do roteiro. Foxx compõe seu Django mais
fisicamente, visto o desenho caricato que não exige dele tanto trabalho com a
câmera, e faz seus pensamentos serem enviados com poucos gestos e olhares. Waltz
repete sua incrível capacidade de magnetizar o espectador, percebida em Bastardos Inglórios. A sutileza em suas
falas, seus movimentos, tudo parece conspirar para que sua atuação seja
marcante e inesquecível até.
Em um dos seus
papéis mais “peculiares” – já que ele está quase irreconhecível –, Samuel L.
Jackson domina o cenário. Encarnando Stephen, um negro odiado pelos negros e
criado puxa-saco de Calvin Candie, o ator entrega uma atuação emblemática,
reforçada pelos diálogos politicamente incorretos e divertidos, e tão intenso e
odioso que quase nunca se o viu fazer o que fez debaixo de toda aquela pesada
maquiagem. Porém, é Leonardo DiCaprio, com bem menos espaço que Foxx e Waltz,
que atinge os agudos do longa com sua interpretação. Ele cria um personagem
asqueroso e é capaz de representar com extrema clareza toda a ignorância e selvageria
que caracterizaram os grandes proprietários de escravos deste recorte da
história norte-americana. O moço não só consegue evocar uma gama de sentimentos
ruins, como não nos faz duvidar que esse tipo de ser humano possa realmente
existir, exatamente o que o diretor pretendia, fato que prova sua genialidade na composição
do cast.
Seria injusto eu
terminar essa crítica sem deixar de destacar a trilha sonora, que como sua ilustre
marca, Tarantino não poderia deixar de surpreender neste aspecto. Como grande
admirador do maestro italiano Ennio Morricone, o diretor prestou mais algumas homenagens
ao inserir composições como The Braying
Mule, Sister Sara's Theme e Un Monumento, e outras originalmente
produzidas para sua soundtrack, Freedom
(Elayna Boynton e Anthony Hamilton), 100
Black Coffins (Rick Ross) e Who Did
That to You (John Legend). Essa mistura de soul music com rap até pode soar estranho
em um longa deste gênero, mas Quentin soube bem como tornar essas diferenças
tão naturais que é quase impossível não se envolver. No mais, Django Livre não
tem a mesma força e originalidade de Bastardos Inglórios e Pulp Fiction e nem é
um filme sem defeitos – peca no ritmo e na demasia de subtramas –, mas consegue
ser, ao mesmo tempo, crítico, reflexivo, engraçado e perverso, além de provar
que as ambições do diretor estão maiores e que ele ainda consegue, com
maestria, superar as expectativas que constrói.
***** (4,5/5)
Django
Unchained, EUA, 2012
Direção: Quentin Tarantino
Elenco:
Jamie Foxx, Christoph Waltz, Leonardo DiCaprio, Kerry Washington, Samuel L.
Jackson, Zoë Bell, Kerry Washington, James Remar
Duração: 2h 46min