por Amanda Prates
Ultimamente não
tem sido raro se deparar com filmes fortes o suficiente para tocar o lado
sensível de seu espectador e nem que o faça sentir-se diferente ao menos por
alguns minutos após sair da sala de cinema, mas pouquíssimos destes serão
capazes de tornar a conexão com esse
espectador essencialmente verdadeira por fazer-se tão real. The Poker House é, facilmente, um destes
filmes. Não um filme isento de erros, pelo contrário, eles são muitos, mas que consegue,
brilhantemente, apontar para o incômodo de seu “ouvinte”: o vira de ponta a
cabeça e o coloca automaticamente dentro da história, mas não para sentir o
interior (e o exterior) de cada personagem, e sim para se fazer observador, e
acompanhar de perto cada passo de todos os envolvidos na história, mesmo os que
não são tão relevantes.
Ao basear-se em
um capítulo de sua própria vida, Lori Petty faz de seu longa-metragem mais do
que um filme edificado em um fato real: ela transcende os limites das telas e
abre espaço para que seu espectador se faça parte onisciente da trama. Ele
segue Agnes (Jennifer Lawrence), uma adolescente de 14 anos que vive com sua
mãe prostituta e viciada em crack, Sarah (Selma Blair), e suas duas irmãs mais
novas, Bee (Sophia Bairley) e Cammie (Chloë Moretz), na chamada “Casa de
Poker”, o bordel mais conhecido do bairro. A história é ambientada em meados da
década de 70 na cidade de Iowa, não que ela dê tanta importância a esses
detalhes, até porque não há necessidade de situar o público para as cenas
seguintes, vamos aos poucos descobrindo o ser humano dentro de cada personagem
de uma história verdadeira e de amadurecimento transcorrida em um único dia. Talvez
esteja aí o triunfo de Petty, justamente não fazer de The Poker House uma autobiografia de quase duas horas, mas uma
pequena parte de sua adolescência, distribuída em 24 horas psicológicas, um
detalhe que seu espectador possa deixar passar despercebido pela grandiosidade
que se torna esse dia da vida da roteirista/diretora.
A personagem
principal vive tentando ser adulta, já que não há sequer registros de seu pai e o
vínculo paterno é, em termos, substituído por Duval, o cafetão de sua mãe e que
cruza a linha de relacionamento com Agnes. Suas outras duas irmãs também foram
obrigadas a crescer muito rapidamente. Bee tem um emprego de entregadora de
jornais, e Cammie vive de fugas para a casa de sua amiga, onde tem um espaço
seguro para dormir e o que comer. O filme é obscuro e sombrio e, mais do que um
retrato da pobreza estadunidense, Petty dá ao público um vislumbre de sua infância
trágica, com elementos visuais que refletem bem o ambiente triste, o que
contribui para mostrar a gravidade dos problemas desses personagens e as
motivações por trás de suas ações. A trilha-sonora, no entanto, é por vezes
repetitiva e mal produzida, um ponto em que a produção peca pela falta de
cuidado em um detalhe tão precípuo em longas deste tipo.
Como um filme
pequeno e independente, The Poker House
almeja ser mais profundo do que vistoso, o que só foi possível de ser trabalhado com as grandes performances que dispunha. Jennifer Lawrence toma Agnes para si
como se estivesse de fato vivendo verdadeiramente aquilo, e, por si só, comanda
o filme com total maestria, mesmo quando não fala uma só palavra. E há muita
verdade em sua interpretação. Como Agnes, a moça é envolvente,
convidativa, forte e amorosa (ao seu jeito), mas, concomitantemente, em seu núcleo
há ainda uma essência infantil que ela lindamente transmite na tela. Como seu
primeiro papel extenso em um longa-metragem, Lawrence construía lentamente o
que estaríamos por ver nos últimos dois anos, uma atriz tão persuasiva capaz de
comandar todas as suas cenas, mesmo quando em silêncio. Sophia Bairley é uma
delícia como Bee. Há um brilho sobre ela que ilumina a tela e sua entrega
confiante fala muito sobre sua personagem e sobre seu talento. Chloë Moretz,
como Cammie, dá a inteligência, o caráter e a estranheza de que o filme tanto
necessita. Ao final, é fácil tornar-se envolvido com as três irmãs pela forma como
transformam seus primórdios deprimentes em vidas significativas. Selma Blair e
Bokeem Woodbine são o que a produção se faria mais primorosa sem. Ela, como a "pseudo-mãe", exagera ao ponto de o público duvidar se ela realmente está fazendo
um papel de prostituta alcoólatra e viciada em drogas. Woodbine, apesar de ser
adequadamente um cafetão assustador, é mais caricato do que deveria ser.
The Poker House lida com uma série de
questões difíceis e, embora não seja completamente pessimista, não se deve
esperar pelo sentimento otimista. Ele tem cenas perturbadoras e cruas a ponto
de provocar apatia em seu espectador, ou, no mínimo, fazê-lo olhar as pessoas
de outra perspectiva, a partir dali. Apesar da estrutura confusa de cenas e do tom,
Petty evita a maioria dos floreios artísticos que desviam muitos indie de
estreia, para salvar com a narração desesperadamente poética de Agnes, e com a
esperança de que a mensagem final seja apenas de redenção, como ela própria
revelou: “Gostaria que o público sentisse a empatia e compaixão que toda a
gente tem um pelo outro neste filme. E para perdoar as pessoas que estão realmente
fazendo o melhor que podem. Você não sabe o que alguns estão passando. Você não
sabe de onde eles vieram. Você não sabe o que acontece quando eles vão para
casa. Tratem a todos da maneira que você gostaria de ser tratado e seja grato
apenas por estar vivo. Não tenha medo e não deixe o passado afetar o seu presente”.
**** (4/5)
The Poker House, Estados Unidos, 2008
Direção e roteiro: Lori Petty
Elenco: Jennifer Lawrence, Selma Blair, Chloë
Moretz, Bokeem
Woodbine
Duração: 1h 34min