Li por aí: Como reagir enquanto presente no aniversário de um relógio.
por Aline Alves
Preâmbulo
às instruções para dar corda no relógio
Pense
nisto: quando dão a você de presente um relógio estão dando um pequeno inferno
enfeitado, uma corrente de rosas, um calabouço de ar. Não dão somente o
relógio, muitas felicidades e esperamos que dure porque é de boa marca, suíço
com âncora de rubis; não dão de presente somente esse miúdo quebra-pedras que
você atará ao pulso e levará a passear. Dão a você — eles não sabem, o terrível
é que não sabem — dão a você um novo pedaço frágil e precário de você mesmo,
algo que lhe pertence mas não é seu corpo, que deve ser atado a seu corpo com
sua correia como um bracinho desesperado pendurado a seu pulso. Dão a
necessidade de dar corda todos os dias, a obrigação de dar-lhe corda para que
continue sendo um relógio; dão a obsessão de olhar a hora certa nas vitrines
das joalherias, na notícia do rádio, no serviço telefônico. Dão o medo de
perdê-lo, de que seja roubado, de que possa cair no chão e se quebrar. Dão sua
marca e a certeza de que é uma marca melhor do que as outras, dão o costume de
comparar seu relógio aos outros relógios. Não dão um relógio, o presente é
você, é a você que oferecem para o aniversário do relógio.
* trecho retirado do livro Histórias de Cronópios e de famas de Julio Cortázar.
* Escolhido pela forma como o autor relata a experiencia de se ganhar um relógio que pode não ser tão boa quanto parece "o presente é você, é a você que oferecem para o aniversário do relógio" parece bem com como agimos, já não usamos mais as coisas infelizmente cada dia mais somos usados por elas.
Histórias de cronópios e de famas.
Título original: Historias de cronopios y famas
Autor: julio Cortázar
Editora: Civilização brasileira
Ano: 2009
Páginas: 128
Edição: 12ª