Review: A Desolação de Smaug, dos fãs, da obra e minha
O Hobbit: A
Desolação de Smaug finalmente chegou ao cinema no dia 13 de Dezembro do ano
passado, depois de ter feito os fãs ansiarem desesperadamente com os três
trailers lançados que eram de arrepiar toda a espinha. O filme era com certeza
um dos mais aguardados do ano, e muitas pessoas esperaram o dia 13 de Dezembro
chegar contando os dias para um resultado final que é visualmente impactante,
bonito e bem trabalhado, estrategicamente lucrativo, mas devastadoramente
tedioso, arrastado e decepcionante.
Todos sabem que
essa nova trilogia de Peter Jackson no Universo de Tolkien é baseada no livro
de único volume O Hobbit, que varia entre 300 a 400 páginas, dependendo da
edição. Logo, a decisão do diretor de produzir três filmes em cima da obra,
logo de cara, nos fez entender qual era sua real intenção com esse novo
projeto: ganhar dinheiro.
Não que não haja
coisas para explorar dentro do livro. Isso há, e muito. Mas três filmes é um
exagero. Uma história que poderia ser muito bem contada em um longa com duração
de 3 horas seria aceitável se fosse estendido para dois filmes com durações
semelhantes, mas três fizeram muitas pessoas ficar com um pé atrás e esperar
algo superficial, apenas para fins lucrativos.
No primeiro
filme, alguns elementos foram introduzidos ao que era originalmente a história
dos anões, acompanhados por um mago e um hobbit, em busca das terras e do
tesouro, antes pertencentes aos anões, que o terrível dragão Smaug havia se
apossado de forma brutal e tirana. Esses elementos foram totalmente plausíveis
analisados de um determinado ponto de vista. Sempre que você vai ao cinema ver
uma adaptação de um livro, tem que ter em mente que literatura e cinema são
dois universos completamente diferentes. Duas mídias que têm maneiras distintas
de transmitir sua mensagem e causar impacto em quem as consume. Para deixar
claro, posso citar o encontro do Baurog com Gandalf em O Senhor dos Anéis: A
Sociedade do Anel. Originalmente, Tolkien descreveu a cena em que o Baurog quer
mostrar seu poder de maneira contrária a que vimos adaptada nas telonas. As
chamas diminuíam no ambiente e a escuridão tomava conta do lugar, envolvendo o
Baurog e o mago cinzento. No filme, vimos o contrário: o fogo brilhou na tela.
E isso foi mais impactante. Simplesmente porque em um livro trabalha-se o
imaginário, e em um filme o visual. E é visualmente mais interessante e
impactante mostrar chamas consumindo o lugar, do que sombras.
Por isso e por
outros motivos, aceitamos a presença de orcs durante a jornada dos anões. Isso
cria um certo problema com o qual os personagens têm que lidar, ao contrário do
livro, em que eles simplesmente andam e têm seu caminho barrado algumas vezes.
Aceitamos também algumas modificações em certas cenas icônicas do livro, como
as do capítulo “Charadas no Escuro”, em que Bilbo encontra Gollum na montanha
dos goblins. Assim como meu exemplo anterior, nessa cena foi visualmente mais
interessante deixar o ambiente claro do que colocar os dos personagens no
escuro completo. Para o cinema, a opção foi correta.
Mas chegando
mais ou menos na metade do livro, encontramos a parte da trama na qual o
segundo filme foi baseada. E, para mim, pareceu que os roteiristas rasgaram ou
perderam essa parte da obra de Tolkien. Tínhamos algumas partes que podemos
dizer serem de extrema importância para os fãs, que leram e esperaram tanto ver
certas coisas no cinema. O encontro com Beorn, por exemplo. O ataque das
aranhas e o encontro com os Elfos da Floresta. E a chegada à Cidade do Lago. Na
realidade, essa parte do livro girava em torno disso, praticamente. E isso,
como é de se imaginar, não seria o suficiente para fazer um filme. Mas aí veio
o erro. A opção tomada não foi a de se aprofundar dentro desses elementos da
trama inicial, e sim a de inserir novos, e isso tornou o filme quase
inteiramente desnecessário.
Sobre o encontro
com Beorn: decepcionante. Um dos personagens mais marcantes do livro teve sua
presença resumida, além de ridiculamente adaptada para ter uma tensão
desnecessária. Uma das partes do livro que merece ser analisada à parte pela
sua genialidade foi jogada fora completamente. Quem leu o livro sabe que
cria-se um momento engraçado, mas ao mesmo tempo tenso, com uma aflição sem
igual. A comicidade se deve à resolução de Gandalf quando se depara com o
problema de apresentar um grande número de anões entrando na casa de Beorn.
Esse diálogo icônico não foi para os cinemas, e eu pude ver logo aí que
existiam grandes chances do resto do filme ser assim.
O encontro com
as aranhas veio em seguida e me deu uma ponta de esperança para o resto do
longa. Como eu mencionei antes, os efeitos visuais foram impecáveis e as cenas
de ação excelentes, por isso não havia como errar aqui. Mas como um filme não
se sustenta apenas com efeitos especiais bonitos, o pico atingido pela batalha
contra as aranhas foi logo abaixo com a chegada dos elfos. Novamente, uma
oportunidade de manter a genialidade inicial da obra foi não só perdida como
amassada e jogada no lixo. A maneira como os elfos atraíam os anões para fora
da trilha simplesmente não existiu, e a partir daí tomei nota em relação ao
restante do filme: não há como recuperar.
A presença de
Legolas, que seria uma jogada muito bacana se fosse apenas para agradar os fãs
mostrando um rosto amigo, acabou tornando-se exagerada. O personagem não existe
na obra original, e aqui tornou-se quase um protagonista. Isso não seria ruim
se fosse bem aproveitado, mas infelizmente não foi o que aconteceu. O elfo,
filho do rei dos elfos da floresta, envolve-se em um triângulo amoroso em que
uma elfa está envolvida e, sim, pasmem, também um anão. Um triângulo amoroso
entre dois elfos e um anão.
E toda a parte
envolvendo elfos foi estendida desnecessariamente. Cenas de luta contra os orcs
e a fuga dos anões foram realmente bonitas de se ver, mas a essa altura você já
tinha sacado que tudo isso era só para te enrolar.
E aí veio um dos
principais problemas do filme. Nós vemos o que Gandalf vai fazer quando ele se
despede do grupo dos anões, logo antes da batalha com as aranhas. No livro,
ficamos nos perguntando o que teria acontecido de tão urgente para o mago ter
que se retirar da aventura, e um Necromante é apenas mencionado. Aqui, vemos o
que parece ser uma prequel aos filmes do Senhor dos Anéis. Não só descobrimos o
que Gandalf foi fazer, o que tira o mistério e a magia da relação do Hobbit com
O Senhor dos Anéis, como vemos também o próprio Sauron, personagem que nem em O
Senhor dos Anéis, onde é o vilão, não chegamos a ver propriamente. Isso foi
decepcionante porque, originalmente, a única relação entre o Hobbit e O Senhor
dos Anéis era O Um Anel, encontrado por Bilbo e depois passado para Frodo, e
isso dava certa independência para as duas histórias, que funcionavam muito bem
sozinhas. Agora, O Hobbit parece apenas uma introdução aos eventos de O Senhor
dos Anéis, e a oportunidade de deixar no ar a pergunta 'quem seria o
necromante?', foi jogada fora. Além disso, sabendo o que Gandalf foi fazer,
perdemos o mistério e o tom até mesmo cômico em volta do personagem que tivemos
lendo o livro e é possível notar que tudo isso foi só para ganhar alguns
minutos de filme e a chance de exibir alguns efeitos visuais.
Depois da fuga
dos anões do reino élfico na floresta, temos a chegada à Cidade do Lago, lugar
habitado por humanos. Sua recepção não é tão calorosa quanto no livro, mas isso
é possível compreender, porque essa modificação foi bem executada, uma vez que
um clima de tensão é gerado sem mudar muita coisa, o que foi um ponto positivo.
A dificuldade dos anões nessa parte esteve em: entrar na cidade atravessando o
Lago, sem serem percebidos.
Já dentro da
cidade, conhecemos um pouco os habitantes de lá e do nosso futuro herói Bard, o
que eu vi como algo bastante agradável, porque esse era realmente um ponto que
merecia ser explorado e aprofundado na obra. Uma certa rivalidade cria-se entre
Bard e Thorin, e tudo é construído com excelência para os acontecimentos que
estariam por vir. Mas aí vem outro erro grotesco. Depois da partida dos anões
para a Montanha Solitária, onde encontra-se o dragão Smaug e seu tesouro, Orcs
invadem a cidade sem serem percebidos, rastejando pelos telhados das casas.
Qual tinha sido a dificuldade dos anões inicialmente? Entrarem sem serem
percebidos. E os anões que se mostraram bastante furtivos até então não
conseguiram realizar a tarefa sem terem que se esconder dentro de barris cheios
de peixe. Como então, orcs, que não são criaturas nem um pouco furtivas e
silenciosas, conseguiram entrar na cidade e locomoverem-se pelos telhados das
casas sem serem percebidos? Seriam esses orcs ninjas?
Três anões
haviam ficado para trás: Fili, Kili e Bofur. Legolas e Taurien, os dois elfos
que protagonizam o triângulo amoroso ao lado de Kili, aparecem na cidade e
lutam contra os orcs. Isso enquanto o restante dos anões, acompanhados por
Bilbo, tentam entrar na terrível Montanha Solitária.
Bilbo. E esse
nome foi mencionado por mim só agora. Pois é, o personagem, originalmente
considerado um protagonista, foi ofuscado pelo brilho dos elfos e das cenas
desnecessárias. Algumas cenas mostraram que o personagem teve sim extrema
importância na jornada dos anões, mas sua participação não passou disso.
Bom, e para
encerrar, já dentro da Montanha, vemos o encontro do hobbit com o terrível
dragão Smaug. O momento tão aguardado chega e o dragão, descrito por Tolkien
como uma criatura belíssima, é revelado, com a voz vibrante de Bennedict
Cumberbatch. Tudo é perfeito até que os anões entram no salão do tesouro para
ir atrás de Bilbo, o que não tinha no livro antes. E isso gera uma batalha
extremamente cansativa e resumida apenas a efeitos especiais bem trabalhados,
levando o filme ao seu fim, com o grandioso dragão dirigindo-se para a Cidade
do Lago, que é para onde levará destruição.
Sai da sala com
vontade de não ver o próximo na estreia. Talvez nem no cinema. Confiei em Peter
Jackson achando que o filme não teria cenas desnecessárias para preencher
lacunas deixadas depois da decisão de transformar a história numa trilogia, mas
isso foi praticamente a única coisa que vi. Algumas referências ao Senhor dos
Anéis que tinham o objetivo cômico acabaram se perdendo quando esse filme se
tornou um 'Senhor dos Anéis: O Começo', e o tom gracioso, infantil e
aventureiro que os fãs tanto gostavam na obra de Tolkien cedeu lugar a cenas de
luta bem feitas. No fim, esse filme pode ser resumido à apenas isso; cenas de
luta bem feitas, um triângulo amoroso ridículo, introdução ao Senhor dos Anéis
e decepção e desolação dos fãs.
Ok, talvez eu
esteja errado em generalizar a opinião de todos, mas a minha e a de algumas
pessoas com quem discuti o filme até agora foi exatamente essa. Talvez para
aqueles que não tiveram contato com a obra de Tolkien não tenha sido tão ruim.
Mas para nós foi.
E o que eu tenho
a dizer para concluir é que sou grato ao comprovante escolar, que me
possibilitou pagar meia-entrada. Senão eu pediria meu dinheiro de volta.
The Hobbit : The Desolation of Smaug
Diretor: Peter Jackson
País de origem: EUA/Nova Zelândia
Elenco: Martin Freeman, Richard Armitage, Ian McKellen
Ano de lançamento: 2013
Distribuidora: Warner Bros.
Duração: 2h45min