Uma história cantada tão verdadeiramente em Os Miseráveis
por Amanda Prates
(Filmow - Twitter)
Fazer de um
musical dos palcos do teatro uma grande produção cinematográfica, sem perder a
coesão e a sinceridade nas representações é, realmente, um grande triunfo para
uma equipe de diretor e roteiristas. Tom Hooper (O Discurso do Rei) o fez e é digno de todo o reconhecimento,
inclusive de um Oscar de Melhor Filme. Com Os
Miseráveis, o diretor pode até ter atraído maus olhares por contar a
história do fugitivo Jean Valjean e de uma França sob o poder monárquico TODA cantada
(salvo alguns poucos diálogos curtos), mas conduziu a única versão decente da
adaptação feita para a Broadway da famosa novela homônima de Victor Hugo. Hooper
conduz toda a complexidade que envolve uma produção deste gênero e sua opção
por filmar os atores cantando ao vivo e evitar os estúdios para a correção das
vozes só reforça a justificativa de este ser um dos pouquíssimos musicais
indicados ao Oscar (e um dos raríssimos com enormes possibilidades de levar a
estatueta pela categoria principal).
A trama se passa
na França, após a Revolução de 1789, onde o regime autoritário e monárquico
prevalecia novamente, e a população era consumida pela miséria e pela peste. O
primeiro momento do filme é um cartão de visita esplendoroso, capaz de prender
a atenção do telespectador por alguns minutos, com a canção “Look Down”,
interpretada por Hugh Jackman e Russell Crowe, que dá o tom da história. A
partir daí, Jean Valjean (Jackman) nos é apresentado como um condenado que,
após uma pena de 19 anos, quebra sua liberdade condicional e é forçado a viver
sob outra identidade. Já estável como dono de uma fábrica e prefeito de uma
pequena cidade em outra parte de Paris, Valjean conhece a decadente Fantine
(Anne Hathaway) e a promete cuidar de sua filha, Cosette, e é aqui que todo o
real sentido da trama se define: ele percebe que encontraria na pequena menina todo
o significado de sua vida (por mais clichê que isso possa soar), e decide protegê-la,
a todo custo, de seu passado (leia-se o incansável algoz Javert).
Assim como a
novela de Victor Hugo foi ridicularizada na época por toda sua intensa carga de
sentimentalismo por alguns líderes de importantes correntes sócio-filosóficas,
a adaptação de Hooper pode parecer algo bobo para uma parte de um público que
se diz mais racional. A verdade é que Anne Hathaway toma para si todo o sofrimento
de sua Fantine e dá ao filme as melhores e mais enternecedoras cenas em seus
míseros minutos (que atire a primeira pedra quem não deixou derramar uma
lágrima sequer com o solo de “I Dreamed a Dream”). Só com essa sentença não é
preciso muito dizer que as chances de a moça não levar a estatueta do Oscar pra
casa são nulas, não é mesmo? Do outro lado da trama, Amanda Seyfried e Eddie
Redmayne encarnam os amantes Cosette (mais velha) e Marius, respectivamente, este
último é um jovem dividido entre o amor pela moça e por sua pátria. Ambos fazem
bem seus papéis, mas destaques os são creditados injustamente, não que esta que
vos escreve esteja dizendo que os jovens retiram pontos do filme, pelo
contrário. Porém, não conseguiram perceber (a Academia, em especial) a
genialidade de Sacha Baron Cohen que, ao compor seu trambiqueiro Enjolras, faz,
ao lado de Helena Bonham Carter, as melhores sequências cômicas e que dão outra
dimensão da miséria; e toda a doçura de Samantha Barks, ao dar vida a uma
Éponine apaixonada, expressando-se incrivelmente em “On My Own”.
Os Miseráveis é projetado milimetricamente
para soar incrível na tela, mas traduzindo toda a carga de significação à sua maneira, sem se render à total
fidelidade ao texto clássico, pois este traria contigo o peso das questões
sociais, e Tom Hooper dificilmente o faria sem torná-lo caricato e artificial, o
típico teatralismo. Em suas quase 3 horas, o filme consegue fazer referências
religiosas em seu texto e nas imagens (vide o momento em que Jean é forçado a
carregar um mastro, como Jesus carregou a cruz), e propor o verdadeiro
significado da vida pelo olhar aguçado de Victor Hugo sobre a realidade.
***** (5/5)
Os Miseráveis: a história cantada não a tornou mais bela
por Aline Alves
Fui correndo ver quando me
disseram que Os Miseráveis ganharia
adaptação nos cinemas. Depois do sucesso e de ganhar prêmios e mais prêmios com
o filme O discurso do Rei, o diretor Tom Hooper, está de volta as
telonas com um gênero que não tem a mesma quantidade de adeptos que o drama,
estamos falando dos musicais.
O
filme é a adaptação ‘indireta’ do livro magnífico Les Misérables de Vitor Hugo, este é de grande importância cultural
e política. Os Miseráveis foi um
grande sucesso e se tornou um dos produtos de maior vendagem da Broadway em
todos os tempos. A grande questão a que isso nos leva é que uma de suas dezenas
de adaptações cinematográficas, que foi filmada de forma inusitada, não é tão
revolucionária como anuncia, mas conseguiu ser bem conduzida na forma de
capturar as atuações, peça chave do filme.
O
filme é ambientado na França do século XIX, e conta a estória de Jean Valjean,
que depois de ser preso e trabalhar como escravo por 19 anos, é solto em condicional,
mas não consegue se recolocar na sociedade. Redimido por uma gentileza
inesperada, ele decide enfim abandonar sua antiga vida e virar um novo e
respeitável homem. Esse novo homem promete cuidar de Cosette, filha de Fantine,
uma de suas operárias. Mas para que isso aconteça, terá que fugir de Javert, um
velho inspetor que o persegue mesmo após tantos anos, e tudo isso por causa de
um mísero pão que ele roubou para salvar o pobre sobrinho que morreria de fome.
A
tentativa de Tom Hooper foi fazer algo inusitado, adaptar algo que não é tão
bem visto no cinema, o teatro musical estilo ópera. O formato comum de filme
musical veio logo após o som no cinema, onde o filme é interrompido
ocasionalmente por um número musical curto, já o formato mais tradicional
dramatúrgico, há séculos como as óperas trazem longos espetáculos totalmente
cantados, divididos entre dois ou três atos principais, com intervalos, o
problema é que filmes não tem intervalos e 98% do diálogo do filme é cantado.
Hooper
tentou criar uma técnica inovadora, captando o áudio no local, mesmo sabendo
que não usaram exatamente o áudio in loco,
mas sim uma versão aproximada, a técnica conseguiu extrair uma atuação
maravilhosa de Anne Hathaway e Hugh Jackman, ambos indicados ao Oscar. O
diretor apela pela emoção dos closes, perdendo muito de sua epicidade. Os Miseráveis não é um drama pessoal,
mas sim coletivo, conta a jornada de um povo e mostrando cada parte separada o
tempo todo não divulga bem essa dimensão, nas últimas cenas é possível quebrar
o gelo e dar uma respirada. São cenas mais abertas, talvez Hooper quisesse
aproximar-se do livro onde há essa individualidade, pois cada volume é composto
por um personagem, ou pelo menos é dividido com os nomes dos personagens.
Anne
Hathaway, apesar de ser brilhante, não rouba toda a cena fica o destaque de Samantha
Barks, atriz pouco conhecida pelo grande público, rouba a atenção e a revelação
do filme, com uma voz extremamente bela e de sua ótima interpretação de sua
personagem Éponine. O filme ainda tem seu lado cômico graças aos Thenardier, o casal
que hospeda a Cosette. Vividos pela senhora
Burton, Helena Bonham Carter, e pelo sempre impagável Sacha “Borat” Baron Cohen, eles são engraçados e
odiosos na medida certa. Amanda Seyfried e o Eddie Redmayne não estão tão
impressionantes, mas também agradam, até diria que estão um pouco apagados, nem
mesmo a atuação dos dois é suficiente para salvar as cenas melosas de amor
adolescente entre os dois.
Visualmente
Os Miseráveis é fabuloso, belíssimo,
trás um contraste evidente entre a pobreza do povo francês da época e a luta
dos rebeldes pela liberdade. Um excelente trabalho da direção de arte nos leva
a fotografia, figurino, maquiagem e cenários magníficos. Ver o Hugh Jackman e o Russel
Crowe fazendo papéis pouco convencionais também ajuda bastante.
O
grande pecado que tomou proporções épicas foi adaptar uma obra de cunho
político tão rica quanto Les Miserables
ao estilo musical. O problema mesmo fica no aporte cultural do grande público
consumidor de Hollywood que não está preparado para um espetáculo estilo
operata.
Acredito
que Os Miseráveis não venha a ser
lembrado como um dos maiores clássicos do cinema ou mesmo dos musicais. Mas com
certeza deixou sua marca como um dos melhores filmes que seu gênero já produziu
em muitos anos, gênero recheado de produções medíocres e sem inspiração, não é
a toa que foi indicado a nove categorias no Oscar, incluindo o de Melhor Filme
do ano.
Em
suma, após 15 segundos de filme já não aguentava mais tanta cantoria, eu adoro
literatura clássica, adoro dramas e amo o Wolverine, mas particularmente odeio
musicais e não estou nem um pouco acostumada com o gênero que deixou o filme
enfadonho, chato. Concordo que para o gênero, o filme é perfeito, mas como já
foi dito, o público não está acostumado a este ‘tipo’ de musical, tudo que eu
conseguia dizer ao final do filme eram as seguintes palavras “teria sido
perfeito se não fosse um musical”.
*** (3/5)
Les Misérables, Reino Unido, 2012
Direção: Tom Hooper
Elenco: Hugh Jackman, Russell Crowe, Anne Hathaway
Duração: 2h 38min